As Palavras Fugiram: Contos de Quinta #31

Bem vindos a mais um Conto de Quinta! A autora de hoje é a Nayara Nascimento, de Salvador, confiram o blog dela Dignidade não cabe aqui. :)


Cristaleira


E o que acontece é que quando me aproximo das pessoas e começo a considerá-las amigas é como se elas passassem a fazer parte de uma linda cristaleira, onde ficam dispostos finos copos de cristal. Há copos maiores, copos menores, uns mais decorados, outros menos. Há diversas prateleiras, todas elas de madeira; uma firmeza necessária diante da fragilidade das peças que carrega. Na parte mais alta ficam os copos de que gosto mais. Tomo o maior cuidado para que nenhum deles sofra danos, mas, de vez em quando, algo acontece e a cristaleira estremece. É fato que algumas vezes a culpa é minha, admito. Um esbarrão aqui, uma voz mais alta ali, uma palavra não economizada acolá. Mas há vezes em que a dificuldade em economizar palavras duras também aflige outras pessoas e sem piedade elas me atingem. Aí, o copo, que era tão perfeito, ganha, de início, uma pequena ranhura que, com o olhar atento parece mais um trinco. O copo continua lá, na mesma estante, mas já não é o mesmo. Cada vez que olho a cristaleira, lembro do copo, de como ele era e no que se transformou. Um dia descubro que o trinco já não está só. Ganhou a companhia de uma fina camada de pó e algumas teias de aranha que me levam ao impulso de limpar, mas o medo de que o trinco aumente me impede. O pó se acumula. O trinco faz aniversário e se aprofunda, quase um abismo. Começo a olhar os outros copos e este vai ficando lá, meio esquecido. Já não o toco tanto, ele também desiste de ser notado. Outros dias a mais, e a mão, sem distinguir trinco, pó ou ranhura, sem quase notar sua presença, o empurra pra trás. E ele vai, sem resistência, deixando que outros passam pra frente. Muito tempo depois, numa daquelas faxinas de fim de ano, finalmente há o reencontro, mão e copo, mas ambos já não se reconhecem, tão distantes que estão. Com a desculpa de preservá-lo, a mão decide que o copo deve ser guardado e então, o embrulha em jornal e guarda numa caixa. Sabe que não mais a abrirá, afinal, há outros na cristaleira, novos acabam de chegar e a visão das marcas sempre traz o dolorido repuxo de uma ferida antiga. Assim, a caixa se junta a tantas outras, num canto. E cria pó. E vira lembrança. Cicatriz.




E aí, o que acharam?
Contos de quinta é um espaço para divulgação de contos, poesias, textos em geral de blogueiros e escritores, (talvez um dia eu publique um conto meu, quem sabe? rsrs), Se você quiser ver seu texto publicado aqui é só me contatar por email clicando aqui ou enviando um email direto para aspalavrasfugiram@hotmail.com

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